Pode parecer bastante nostálgico, mas se fosse
possível, eu voltaria a reviver um daqueles dias de completa felicidade,
pedalando bicicletas até as docas do porto da minha infância.
Os ventos incessantes de Rio grande, seus barcos e seus
rangidos, atracados lado a lado, os quais tínhamos que atravessar um a um,
cumprimentar respeitosamente e sem muito alarde, o marujo que por ventura
estivesse a bordo, até chegar ao que estivesse mais prá fora, onde, também, o calado
era maior, e onde atiraríamos nossas linhas, na intenção de voltar com comida
grátis para casa.
Na falta de espaço longitudinal, os capitães das
traineiras, botes, e até rebocadores, em geral encostavam seus barcos lado a
lado, organizados pela ordem de chegada, aos que já estavam atracados no cais.
Coisas de navegantes, intrépidos lutadores dos ofícios do mar salgado.
Todas essas etapas, até a pesca efetiva, eram
responsabilidades aventurescas, como por exemplo, não mexer em nada e deixar
limpo o local de pesca, no barco hospedeiro, que compraziam com toda a satisfação
meu coração irrequieto.
Um detalhe que muito me chamava atenção, era que me
avô comunicava-se, normalmente, apenas com monossílabos e gestos, com seus
companheiros de linhas e anzóis, que transitavam por ali, na busca do melhor
lugar para lançar suas iscas. Isso eu percebia ser uma forma usual de
entendimento entre seus pares. A sintetização era uma característica que aqueles
rudes homens do mar usavam para conversar.
Seus olhares, uma leve contração da testa e alguns discretos
movimentos corporais diziam tudo. As palavras apenas complementavam os diálogos
daquela tribo.
Muitas vezes eu tinha que perguntar o que ele e seu
amigo Ventura, o de longas barbas, do chapéu cinquentenário e amassado na
cabeça, um velho lobo do mar, haviam dito e vice versa, pois a impressão que eu
tinha é que eles apenas grunhiam sons, numa economia total de palavras. E a
gente ia entendendo e aprendendo e era assim.
Certamente o falar pouco e baixo servisse de
subterfúgio para não espantar os peixes e aquilo foi se internalizando entre os
indivíduos da comunidade, ou talvez, fosse assim entre os antigos e o hábito se
perpetuasse, não sei dizer. Uma coisa eu posso afirmar: a cidade toda era
silenciosa.
Salvo algum apito de fábrica, cantar de galos
nos quintais, alguns latidos de cães ao longe, e a estática do rádio no criado
mudo, ao lado da cabeceira da cama, que insistia em não sintonizar, não se
ouvia mais nada. Fora isso, sempre o vento, às vezes acariciando, às vezes batendo,
agastado, nas árvores. Alguma parte de mim parou lá. Acho que com todo mundo
deve ser assim, das coisas congelarem nos pontos melhores e piores de nossas
vidas. Talvez.
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