quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Sóis – Parte II


Pode parecer bastante nostálgico, mas se fosse possível, eu voltaria a reviver um daqueles dias de completa felicidade, pedalando bicicletas até as docas do porto da minha infância.
Os ventos incessantes de Rio grande, seus barcos e seus rangidos, atracados lado a lado, os quais tínhamos que atravessar um a um, cumprimentar respeitosamente e sem muito alarde, o marujo que por ventura estivesse a bordo, até chegar ao que estivesse mais prá fora, onde, também, o calado era maior, e onde atiraríamos nossas linhas, na intenção de voltar com comida grátis para casa.
Na falta de espaço longitudinal, os capitães das traineiras, botes, e até rebocadores, em geral encostavam seus barcos lado a lado, organizados pela ordem de chegada, aos que já estavam atracados no cais. Coisas de navegantes, intrépidos lutadores dos ofícios do mar salgado.
Todas essas etapas, até a pesca efetiva, eram responsabilidades aventurescas, como por exemplo, não mexer em nada e deixar limpo o local de pesca, no barco hospedeiro, que compraziam com toda a satisfação meu coração irrequieto.
Um detalhe que muito me chamava atenção, era que me avô comunicava-se, normalmente, apenas com monossílabos e gestos, com seus companheiros de linhas e anzóis, que transitavam por ali, na busca do melhor lugar para lançar suas iscas. Isso eu percebia ser uma forma usual de entendimento entre seus pares. A sintetização era uma característica que aqueles rudes homens do mar usavam para conversar.
Seus olhares, uma leve contração da testa e alguns discretos movimentos corporais diziam tudo. As palavras apenas complementavam os diálogos daquela tribo.
Muitas vezes eu tinha que perguntar o que ele e seu amigo Ventura, o de longas barbas, do chapéu cinquentenário e amassado na cabeça, um velho lobo do mar, haviam dito e vice versa, pois a impressão que eu tinha é que eles apenas grunhiam sons, numa economia total de palavras. E a gente ia entendendo e aprendendo e era assim.
Certamente o falar pouco e baixo servisse de subterfúgio para não espantar os peixes e aquilo foi se internalizando entre os indivíduos da comunidade, ou talvez, fosse assim entre os antigos e o hábito se perpetuasse, não sei dizer. Uma coisa eu posso afirmar: a cidade toda era silenciosa.
Salvo algum apito de fábrica, cantar de galos nos quintais, alguns latidos de cães ao longe, e a estática do rádio no criado mudo, ao lado da cabeceira da cama, que insistia em não sintonizar, não se ouvia mais nada. Fora isso, sempre o vento, às vezes acariciando, às vezes batendo, agastado, nas árvores. Alguma parte de mim parou lá. Acho que com todo mundo deve ser assim, das coisas congelarem nos pontos melhores e piores de nossas vidas. Talvez.

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