quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
Maconha
Os jovens e usuários deviam saber que a sensação
de descobertas e benefícios provocados pelas drogas, no caso especial da
maconha, usadas sem experiência de vida, são improfícuas, inúteis, e a
experiência de vida, entretanto, supera com louvores as tais “descobertas” provocadas
pelas drogas. Aí, é só correr pro abraço!
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
Mestre Nelson
Meu pai detonava no sax e no clarinete. Era conhecido como Mestre Nelson e regia a banda da BM e as orquestras por onde passava. Lia e escrevia partituras perfeitamente. Gostava de escrever as músicas que inventava, para que seus colegas de banda se esbaldassem nos embalos de jazz que tanto adorava. Tenho guardados seus cadernos amarelados, de tantas canções. Ele tinha uma letra manuscrita muito elegante. Um detalhe: era semi-alfabetizado.
Dava-se bem com as notas, claves e pausas, e até dispunha-se a ensinar a alguns aprendizes, a linguagem escrita nas pautas, que ele mesmo apreendeu pelo amor à quarta arte, contra a vontade de seu pai, meu avô, -que achava a música coisa de vagabundos-, riscando com carvão nos lados internos dos muros de um terreno baldio na sua cidade, Rio Grande, e executando num clarinete velho, emprestado, aulas que um conhecido da banda da gloriosa Brigada Militar lhe ensinava. Foi uma luta e vitória sua. Formou-se músico.
Acho que é mais ou menos assim, não importa em que idioma, quando e por quem foi criada, pois a música tem seu próprio estado de manifestação e vai direto ao ponto. Música é música, e decerto, mais uma forma de sentimento que se capta pela audição como a chuva na calçada, o vento nas palmeiras, uma declaração de amor. Uma dessas linhas diretas de comunicações com o coração.
domingo, 12 de fevereiro de 2012
Sóis III
Tia Iolanda
E lá me ia eu, repetindo mais um objetivo inglório:
comprar um saco de balas, um litro de xarope de groselha e um pacote de
rapadurinhas de leite, que se desmanchavam na boca, conforme instruções de
Iolanda. Eu carregava parcos 12 ou 13 centavos nos bolsos de cinco ou seis anos
de idade, o que somente dava para voltar da distribuidora de bebidas doces e
confeitos, a umas três ou quatro quadras da casa, com uma mísera barrinha de
puxa-puxa, no máximo.
O pior era o constrangimento e a indignação com o
balconista do estabelecimento, por este dar risadas e me fazer concluir
incrédulo, que fora enganado mais uma vez por minha Landinha.
Báh! Eu voltava corado e puto da cara, meio
choroso, mais uma vez, pois sempre caia na sua conversa de sereia ilusionista.
Iolanda era uma tia, irmã de meu pai e morava na
casa da frente, com meus avós. Eu e minhas duas irmãs a amávamos acima de
qualquer coisa. Ela nos ensinava a dizer palavrões, a arte de tocar acordeon,
do que era professora, e especialmente, me fazia pulular ridiculamente ao ritmo
das mazurcas que tocava, inventando concursos de dança, entre nós e vizinhos
próximos, tudo para se divertir. A vida era um circo de espetáculos absurdos
que ela inventava, pois estava sempre disposta a aprontar alguma bizarrice
hilariante e nós éramos parte da sua troupe.
Ela era linda e devia ter sido miss Rio Grande, não fosse o atraso do
modo de pensar açougueiro de meu avô, e dos preconceitos gerais da cidade
interiorana em que vivíamos, que a intimidaram a concorrer pela cidade, pois
Iolanda era reconhecidamente muito linda. Era dotada de uma beleza clássica à
la Ingrid Bergmann.
Enfim, são enternecedoras as recordações dessa tia-irmã, que eu tenho
como pedra fundamental de minha vida e que eu tinha certeza, fosse estar
eternamente entre nós, o que findou não se realizando. Aquela que sempre amarei
e que naqueles idos, idolatrava como uma verdadeira deusa terrena.
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012
Sóis – Parte II
Pode parecer bastante nostálgico, mas se fosse
possível, eu voltaria a reviver um daqueles dias de completa felicidade,
pedalando bicicletas até as docas do porto da minha infância.
Os ventos incessantes de Rio grande, seus barcos e seus
rangidos, atracados lado a lado, os quais tínhamos que atravessar um a um,
cumprimentar respeitosamente e sem muito alarde, o marujo que por ventura
estivesse a bordo, até chegar ao que estivesse mais prá fora, onde, também, o calado
era maior, e onde atiraríamos nossas linhas, na intenção de voltar com comida
grátis para casa.
Na falta de espaço longitudinal, os capitães das
traineiras, botes, e até rebocadores, em geral encostavam seus barcos lado a
lado, organizados pela ordem de chegada, aos que já estavam atracados no cais.
Coisas de navegantes, intrépidos lutadores dos ofícios do mar salgado.
Todas essas etapas, até a pesca efetiva, eram
responsabilidades aventurescas, como por exemplo, não mexer em nada e deixar
limpo o local de pesca, no barco hospedeiro, que compraziam com toda a satisfação
meu coração irrequieto.
Um detalhe que muito me chamava atenção, era que me
avô comunicava-se, normalmente, apenas com monossílabos e gestos, com seus
companheiros de linhas e anzóis, que transitavam por ali, na busca do melhor
lugar para lançar suas iscas. Isso eu percebia ser uma forma usual de
entendimento entre seus pares. A sintetização era uma característica que aqueles
rudes homens do mar usavam para conversar.
Seus olhares, uma leve contração da testa e alguns discretos
movimentos corporais diziam tudo. As palavras apenas complementavam os diálogos
daquela tribo.
Muitas vezes eu tinha que perguntar o que ele e seu
amigo Ventura, o de longas barbas, do chapéu cinquentenário e amassado na
cabeça, um velho lobo do mar, haviam dito e vice versa, pois a impressão que eu
tinha é que eles apenas grunhiam sons, numa economia total de palavras. E a
gente ia entendendo e aprendendo e era assim.
Certamente o falar pouco e baixo servisse de
subterfúgio para não espantar os peixes e aquilo foi se internalizando entre os
indivíduos da comunidade, ou talvez, fosse assim entre os antigos e o hábito se
perpetuasse, não sei dizer. Uma coisa eu posso afirmar: a cidade toda era
silenciosa.
Salvo algum apito de fábrica, cantar de galos
nos quintais, alguns latidos de cães ao longe, e a estática do rádio no criado
mudo, ao lado da cabeceira da cama, que insistia em não sintonizar, não se
ouvia mais nada. Fora isso, sempre o vento, às vezes acariciando, às vezes batendo,
agastado, nas árvores. Alguma parte de mim parou lá. Acho que com todo mundo
deve ser assim, das coisas congelarem nos pontos melhores e piores de nossas
vidas. Talvez.
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