domingo, 29 de janeiro de 2012

Sóis

O que importa é não perder a pedalada, pra não machucar o tornozelo, ele dizia.
Minha pequena bicicleta era das menores, como eu aos sete anos, que seguia garboso um gigante de dois metros de altura, e que pedalava à frente sua Monark Sueca aro 28, preta, admirável pelo tamanho, para mim que via o mundo de baixo. Aquele era um Hércules em seu trabalho de abrir caminho até a beira do cais. Pena que não era meu pai, vejo agora, mas meu avô funcionava mais ou menos como se o fosse.
Eu olhava alternadamente para suas costas, seu chapéu e para o movimento das sombras das rodas no chão ganhando a areia do acostamento que se ajuntava entre os paralelepípedos e as calçadas de antigamente. Aquele era um dos momentos mais prazerosos e marcantes do meu dia-a-dia.
A pesca era feita com linhas de fundo, cheias de anzóis grandes para Miraguaias e Burriquetes, que apesar de serem raros ali, as vezes iam dar na beira do cais, próximo as docas do porto velho de Rio Grande, mas nos dávamos bem nos papas-terra, corvinas e tainhas, entre outros peixes que se ofereciam por ali.
Eu amava meu avô como um pai adotivo, como herói e rei. 
Ouvia diariamente, assoberbado, suas histórias de viagens pela Inglaterra, Maceió e Recife, assim como, sua desfaçatez pelo porto de Salvador, Bahia, apesar das morenas namoradeiras, porque mantinham o porto extremamente desorganizado e havia alguma dificuldades em se atracar seus barcos, aqueles que ele tanto navegava nos oceanos Atlântico e Pacífico e eventualmente os mares da Azia.
Tudo mentira! Vim, a saber, alguns poucos anos depois pela boca da minha avó que, cansada de ouvir-me repetindo orgulhoso, para quem quer que chegasse à casa, as aventuras fantásticas, porém, fantasiosas de meu avô. Um belo dia, ela encaminhou-me à realidade, contando que ele jamais conhecera outro lugar que não fosse Rio Grande e suas águas circunvizinhas.
Báh! Fiquei chocado e dissonante. Foi uma grande decepção saber que todos aqueles anos de histórias contadas em uma prolixidade inenarrável, não passavam de histórias de ninar. Ele, porém, sustentava que minha avó não gostava de saber que ele era o maior, e que já andara por todo mundo, porém, suas feições já não mais expressavam mais a verdade para mim. Logo assimilei aquilo com alegria, ao recordar que ele deixava pistas ao relatar suas aventuras rindo mais do que seu costume, sem responder o porquê daquelas alegrias repentinas. Mas, acontecesse o que acontecesse, ele era meu super herói e eu já estava com uns nove anos de idade, pronto para entender que tinha muito o que aprender na vida.
(Sóis - Parte I)

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